Alerta de Pesquisadores: COVID-19 nas Aldeias Indígenas do Rio de Janeiro

Postado por IEAR em 30/jun/2020 - Sem Comentários


Alerta de Pesquisadores: COVID-19 nas Aldeias Indígenas do Rio de Janeiro



Estamos vivendo um período de excepcionalidades na saúde pública com a pandemia. Sabemos que a situação das comunidades indígenas as coloca num quadro de maior vulnerabilidade social devido ao seu isolamento geográfico, às péssimas condições sanitárias, como o abastecimento e tratamento de água e de esgoto, atendimento médico irregular, cultura do comunitarismo dentro da família extensa (joapygua) e falta de meios de geração de renda (artesanato e turismo de base comunitária) nesse período da pandemia.

Uma série de redes de apoio, organizadas pela sociedade civil, surgiram pra arrecadação de cestas básicas e gêneros de primeira necessidade que surtiram bom efeito e com relativo sucesso, vem garantindo um mínimo em segurança alimentar e nutricional às aldeias Guarani e Pataxó, nesse período.

As ações de enfrentamento e combate ao COVID, neste caso precisam ser também excepcionais. Nesse sentido, o papel do SUS e da SESAI, com sua gratuidade e capilaridade de tendimento, tem sido determinante para o combate à pandemia entre os povos indígenas.

Aqui, antes de tudo, vai nosso incondicional apoio e solidariedade ao sistema público de saúde (SUS e SESAI), que vem sendo atacado e sofrendo um desmonte por parte do Governo Federal, em especial, com a Emenda Constitucional no 95, também conhecida como a Emenda do Teto dos Gastos Públicos, que alterou a Constituição para instituir um novo regime fiscal, congelando por 20 anos os orçamentos dos Ministérios. Os profissionais de saúde que atendem as aldeias lá na ponta, merecem todo o nosso respeito, consideração e solidariedade, por atuarem com afinco e dedicação na linha de frente, em especial os enfermeiros, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde e motoristas, a quem dedicamos nosso reconhecimento e agradecemos aqui publicamente.

Entretanto, não podemos ignorar que as Secretarias Municipais de Saúde de Maricá, Angra dos Reis e Paraty, não vem notificando oficialmente os casos suspeitos e confirmados especificamente das aldeias, que seriam informações públicas necessárias para um adequado monitoramento da evolução do quadro de emergência. A primeira notificação sobre isso, em Angra dos Reis, só foi feita em 25/06, pela imprensa, confirmando já 30 casos contaminados, e que hoje subiram pra 40 (dados também não oficiais). Passaram-se 3 meses sem nenhuma informação oficial e hoje já são 12% de contaminados na comunidade de Sapukai!

É necessário mais clareza na divulgação dos dados de ocorrência da pandemia nos territórios tradicionais, desmembrando os números relativos só às Aldeias, daqueles publicados diariamente nos Boletins Epidemiológicos pelas Prefeituras, pois eles vêm entrando, no caso de Angra, nos dados agregados do IV Distrito (bairro do Bracuí), ou no bairro de Paraty Mirim e no bairro de Itaipuaçu, respectivamente nos casos de Paraty e Maricá. Portanto, são necessários os dados epidemiológicos detalhados por territórios tradicionais (Aldeia Indígenas e Quilombos), incluindo os quantitativos com datas de notificação dos casos suspeitos, confirmados e óbitos, datas de primeiros sintomas e situação epidemiológica (ativos/monitoramento, recuperados e óbitos) dos casos notificados. Sem esses dados publicados com transparência, é ilusão achar que estamos “acompanhando a situação”.

Outro questionamento necessário é a forma de isolamento que vem sendo até agora implementada: a recomendação é para que os casos suspeitos fiquem em casa, em isolamento domiciliar, em observação e com medicação profilática. Sabemos, pela observação antropológica, que a organização social guarani mbya está baseada nos joapygua (grandes núcleos de família extensa) que são compostos por, por exemplo, 23 pessoas (como os do Sr. José e Sr. Zeferino), 40 (como o do cacique Domingos) e até 67 pessoas (como o de D. Genira), no caso de Sapukai, que vivem comunitariamente em intenso contato físico. Há, nessa maior aldeia do estado, 09 destes joapygua perfazendo percentuais de 39% de crianças; 34% de adultos; 19% de jovens e 6,7% de anciãos, segundo recente cartografia social elaborada pelos jovens e adultos indígenas do Curso de Magistério Indígena no final de 2018. O intenso contato familiar tem sido um propagador da pandemia internamente. Disso já sabemos.

Há que se criar com a urgência que a situação exige, medidas de planejamento de contenção do avanço da pandemia, com mecanismos internos próprios e específicos de isolamento, discutidos, esclarecidos e decididos com/pelos Guarani, com os patriarcas e matriarcas (Xeramoĩ e Xejaryi) e lideranças de cada joapygua, para conter o crescimento do vírus nas aldeias.

Conforme preconiza o Informe Técnico no 05 da Secretaria Especial de Saúde Indígena/SESAI – Ministério da Saúde, de 08/05/2020:

“Para os casos suspeitos ou confirmados para COVID 2019 em populações indígenas que, após avaliação médica, não necessitem de hospitalização, recomenda-se que o paciente indígena permaneça em isolamento domiciliar:
– Caso o indígena com sintomas respiratórios esteja fora da aldeia, recomenda-se manter o isolamento fora da aldeia até se confirmar ou descartar o caso; caso confirmado, o paciente deve permanecer fora da aldeia até cura;
– Caso o indígena com sintomas respiratórios esteja na aldeia, a equipe deve buscar estratégias de isolamento eficiente até se confirmar ou descartar o caso; caso confirmado, manter o paciente em isolamento até 14 dias, e todos os moradores do domicílio do caso confirmado devem permanecer também em isolamento domiciliar, para evitar transmitir o vírus para outros moradores da aldeia.”

Dizer que estão em isolamento domiciliar e medicados, é jogá-los à própria sorte. Não basta dizer pra uma comunidade indígena: “fique em casa”, “use máscara e álcool gel”. Algumas aldeias de outros estados já criaram alternativas emergenciais como: instalação de tenda com enfermaria pra isolar os suspeitos e tenda com enfermaria pra isolar os contaminados confirmados; espaços públicos na aldeia, como uma escola, transformados em enfermaria pra isolamento e monitoramento, etc. Não temos nem Posto de Saúde na Aldeia Sapukai, que está funcionando precariamente numa ex-padaria, pois o antigo foi derrubado para reconstrução.

Nós, pesquisadores das Universidades públicas do Rio de Janeiro e parceiras, que atuam com a temática indígena e dos povos tradicionais, nos unimos à demais instituições de apoio como MPE – Ministério Público Estadual, MPF – Ministério Público Federal, FIOCRUZ, FCT – Fórum de Comunidades Tradicionais, CGY – Comissão Guarani Yvyrupa e demais coletivos preocupados com o avanço do COVID nas comunidades tradicionais, para junto aos órgãos responsáveis pela Saúde (S.M.S.s e SESAI) buscar alternativas urgentes mais eficazes de combate.

Não podemos simplificar nossos diagnósticos da situação culpabilizando apenas a “cultura Guarani” e a uma possível “desobediência” deles às recomendações da Saúde (que ocorre também em todas as cidades), pelo acelerado avanço nas contaminações, como vem sendo divulgados na grande imprensa e redes sociais. Pois não podemos nos isentar enquanto gestores públicos de saúde, da responsabilidade em tomar medidas de maior transparência na produção e divulgação dos dados, assim como medidas de monitoramento e isolamento emergencial dos casos já identificados nas próprias aldeias, conforme orienta o Ministério da Saúde.

Os casos de contaminação vão crescer assustadoramente nas próximas duas semanas, se nada for feito. Não queremos que os indígenas sejam bem cuidados nos hospitais quando internados, o que sabemos certamente que serão; queremos é que não precisem se internar.


Paraty, 30/06/2010

Assinam os seguintes pesquisadores:

1- Domingos Barros Nobre – Prof. Associado DED – IEAR/UFF; Grupo de Pesquisa: “Espaços Educativos e Diversidade Cultural”; Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF e membro do CEEEI-RJ – Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Rio de Janeiro.
2- Augusto Cesar Lima – Prof. Associado do IEAR/UFF e Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF
3- Silmara Lidia Marton – Profa Associada do IEAR/UFF e Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF
4- Licio Caetano do R. Monteiro – Prof. Adjunto Dept o de Geografia e Políticas Públicas DGP/IEAR/UFF. Grupo de Pesquisa: “Espaços Educativos e Diversidade Cultural”; Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF e GEBIG – Grupo de Estudos da Baia da Ilha Grande
5- Silvana Mendes Lima – Projeto de Extensão: “Patrimônio Cultural, Conhecimentos Tradicionais e educação Indígena” da Faculdade de Educação e Instituto de Psicologia/-UFF.
6- Celso Sánchez – Coord. do Grupo de Estudos em Educação Ambiental Desde el Sur GEASur da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, UNIRIO; Membro da Cátedra Ambiental Gonzalo Palomino, Universidad del Tolima, Colombia e membro do CEEEI-RJ – Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Rio de Janeiro.
7- Kelly Russo – Núcleo de Estudos sobre Povos Indígenas, Interculturalidade e Educação – FEBF-UERJ.
8- Gabriela Barbosa – Núcleo de Estudos sobre Povos Indígenas, Interculturalidade e Educação – FEBF-UERJ.
9- Anna Beatriz Vecchia – Programa: “Escolas do Território”; Grupo de Pesquisa: “Espaços Educativos e Diversidade Cultural” – IEAR/UFF e do Grupo de Pesquisa: Práticas Educativas e Formação de Professores – UNIRIO.
10- William de Goes Ribeiro – Prof. Adjunto DED – IEAR/UFF e Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF.
11- Renata Lopes Costa Prado – Profa . Adjunta DED – IEAR/UFF e Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF.
12- Renata Silva Bergo – Profa . Adjunta DED – IEAR/UFFe Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF.
13- Carolina Miranda de Oliveira – Grupo de Pesquisa: “Espaços Educativos e Diversidade Cultural” e Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF e Grupo de Investigação HUM230 – UCA – Universidade de Cadiz – Espanha.
14- Mariana Paladino – Profa . Faculdade de Educação – UFF- Niterói e Projeto de Extensão: “Patrimônio Cultural, Conhecimentos Tradicionais e Educação Indígena” da Faculdade de Educação e Instituto de Psicologia/-UFF.
15- Alexandre de Oliveira Pimentel – Prof. Instituto Federal do Rio de Janeiro – Nilópolis e Núcleo de Estudos Afrobrasileiros e Indígenas – IFRJ – Nilópolis.
16- Ediléia Carvalho – Grupo de Estudos sobre Cotidianos, Escola e Culturas – GECEC – PUC/RIO e Novamerica.
17- Marci Fileti Martins – Profa . Mestrado Profissional em Linguística e Línguas Indígenas – PROFLLIND – Linguística – DA – MN/UFRJ e Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF.
18- Monika Richter – Profa Associada – Departamento de Geografia e Políticas Públicas – DGP/IEAR/UFF.
19- Diogo Marçal Cirqueira – Departamento de Geografia e Políticas Públicas – DGP – Instituto de Educação de Angra dos Reis – IEAR e Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF.
20- Indira Alves França – Coord. de Gestão de Saberes do OTSS – Observatório de Territórios Sustentáveis e Saudáveis da Bocaina – FIOCRUZ e Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF.
21- Gabriela Nunes Fernandes – Núcleo de Estudos sobre Povos Indígenas, Interculturalidade e Educação – FEBF-UERJ.
22- Francine Cristina de Menezes – Núcleo de Estudos sobre Povos Indígenas, Interculturalidade e Educação – FEBF-UERJ.
23- Rosa Peralta Pereira – CDHAL – Comitê para os Direitos Humanos na América Latina – Quebec – Canadá.
24- Ève Bélanger – ONG Alternatives: Rede de Ação e de Comunicação para os Movimentos Sociais – Quebec – Canadá.
25- Andréa Daniella Lamas Cardarello – Coletivo Brasil-Montreal em Defesa da Democracia.
26- Ana Alice de S. Morais Melo – Coletivo Brasil-Montreal em Defesa da Democracia.
27- Luísa Sá Barreto Pimentel – Coletivo Brasil-Montreal em Defesa da Democracia.
28- Prisciyla Joca – Universidade de Montreal/Quebec – Canadá.
29- Márcia Nunes F. de Souza – FIBRA -Frente Internacional de Imigrantes Brasileiros Antifascistas
30- Anderson Mululo Sato – Prof. Adjunto Departamento de Geografia e Políticas Públicas IEAR/UFF. GDEN/UFF – Grupo de Pesquisa em Desastres SócioNaturais e RED – Rede de Educação para Redução de Desastres
31- Jaqueline dos S. Peixoto – Professora Associada II da Faculdade de Letras da UFRJ e Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF.
32- Ana Martinez – Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF e Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação Diferenciada do Colégio Pedro II – Campus Humaitá I – NEPEDIF
33- Cecília Marafelli – Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF e Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação Diferenciada do Colégio Pedro II – Campus Humaitá I – NEPEDIF
34- Flávia Lino – Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF e Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação Diferenciada do Colégio Pedro II – Campus Humaitá I – NEPEDIF
35- Inês Sá – Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF e Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação Diferenciada do Colégio Pedro II – Campus Humaitá I – NEPEDIF
36- Katherine Benedict – Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF e Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação Diferenciada do Colégio Pedro II – Campus Humaitá I – NEPEDIF
37- Jacqueline Teixeira – Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF e Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação Diferenciada do Colégio Pedro II – Campus Humaitá I – NEPEDIF
38- Lyza Brasil – Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF e Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação Diferenciada do Colégio Pedro II – Campus Humaitá I – NEPEDIF
39- Marina Cruz – Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF e Núcleo de Extensão e Pesquisa em Educação Diferenciada do Colégio Pedro II – Campus Humaitá I – NEPEDIF
40- Sérgio Ricardo Verde Potiguara – Rede GRUMIN – e membro do CEDIND-RJ – Conselho Estadual dos Direitos Indígenas do Rio de Janeiro
41- Roberta Carvalho Arruzzo – Profa . Adjunta UFRRJ – Grupo de Pesquisas Sobre Geografias e Povos Indígenas – GeoPovos.
42- Emerson Guerra – Prof. Adjunto UFRRJ – Coord. do Grupo de Pesquisas Sobre Geografias e Povos Indígenas – GeoPovos.
43- Daniel Ganzarolli Martins – Projeto de Extensão: “Patrimônio Cultural, Conhecimentos Tradicionais e Educação Indígena” da Faculdade de Educação e Instituto de Psicologia/-UFF.
44- Ricardo Sant’Ana Felix dos Santos – Projeto de Extensão: “Patrimônio Cultural, Conhecimentos Tradicionais e Educação Indígena” da Faculdade de Educação e Instituto de Psicologia/-UFF.
45- Marcia Maria Damaso Vieira – Profa Associada do Departamento de Antropologia/ Setor de Linguística do Museu Nacional/UFRJ e Programa: “Escolas do Território” – IEAR/UFF.
46- Algemiro da Silva Karai Mirim – Mestrado Profissional em Linguística e Línguas Indígenas – PROFLLIND/UFRJ – Prof. do CIEGKKR – Colégio Indígena Estadual Guarani Karai Kuery Renda e Presidente do CEEEI-RJ – Conselho Estadual de Educação Escolar Indígena do Rio de Janeiro.



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